“Meu pai foi um herói não reconhecido”, diz Fernanda Souza dos Santos Pineiro, administradora de 46 anos, uma das filhas de Evaldo Luís dos Santos, morto na explosão ocorrida na madrugada do dia 3 de abril de 1980 na Getec Guanabara Quimica Industrial S/A, no bairro Trindade, em São Gonçalo. Prestes a completar 44 anos, a tragédia que ocorreu na fábrica que empregava 400 trabalhadores à época, deixou um vazio nas pessoas que até hoje buscam respostas sobre o que de fato aconteceu no reator R/201-A, que estava em um dos tanques onde era fabricado o álcool furfurílico usado na produção de solventes. Dois operários morreram e outros 24 ficaram feridos.
Moradora de Maricá, Fernanda, mãe de uma adolescente de 16 anos, considera o pai um herói. Para ela, Evaldo deu a vida para salvar outras tantas e não teve o devido reconhecimento.
“Na noite do acidente, eles estavam fazendo um experimento de uma química e não tomaram precaução. Minha mãe conta que não era o dia dele trabalhar, pois ele foi no lugar de um colega que exercia a função de chefe, ou seja, acima da dele. Meu pai era operacional, tanto que no crachá de identificação está a seção em que trabalhava. Naquela madrugada, ao pressentir que o experimento estava dando errado, meu pai gritou de cima de um dos reatores que era para todos correrem. Ao invés de salvar a própria vida ele, sabe-se lá por qual razão, tentou fechar a válvula de um dos reatores para conter as chamas. Não deu. Infelizmente a explosão foi ouvida em um raio tão grande de distância que moradores de Niterói ouviram o estrondo que destruiu várias casas, feriu 24 funcionários, e despedaçou o corpo do meu pai. Fizemos um enterro simbólico no Cemitério do Maruí, no Barreto, apenas com uma mecha de cabelo, única coisa que conseguiram encontrar dele. Já Manoel, outro morto neste lamentável acontecimento, no momento do acidente estava na escada deste reator, e teve partes do corpo encontrado pelas proximidades da Getec”, contou emocionada e afirmou que a Getec indenizou a família com uma casa após estrago pessoal e material.
Sobre Evaldo Luís de Souza, as recordações são as melhores. Para a autônoma Simone Souza Dos Santos, 48 anos, filha mais velha, o legado que o pai deixou foi de, além de morrer como herói na explosão, pensar no próximo.
“Parece que o ato heróico que meu pai fez foi esquecido pelas pessoas. Fico sentida e muito quando um funcionário jovem de apenas 28 anos, com uma vida toda pela frente, casado, com duas filhas pequenas, arrisca a vida por muitos e a cidade não reconhece. Estamos falando de uma explosão que vai completar 44 anos em abril deste ano e, o máximo que se tem, são matérias da época. É muito pouco, para quem deu a vida e conseguiu evitar tragédia maior. Isso é muito triste, sabe? Mas é triste, muito triste, crescer sem um pai. Sonho muito com ele e lembro-me de algumas coisas da minha infância. Isso é o que me conforta um pouco, os sonhos e as lembranças”, afirmou Simone.
Outro que não esquece a tragédia é Marcus Vinicius de Oliveira Abreu, consultor de informática de 55 anos, que mora em Riad, capital da Arábia Saudita, desde 2005. À época da explosão, Marcus era um pré-adolescente de 12 anos e morava no bairro Estrela do Norte com os pais e um irmão mais novo.
“A explosão aconteceu durante a madrugada. Me lembro de acordar assustado com o barulho e encontrar meu pai também assustado andando pela casa. Morávamos na Estrela do Norte e, da minha casa até a Getec, temos um pouco mais de três quilômetros de distância, medidos (no google maps) em linha reta. Esse detalhe da distância dá uma dimensão do barulho causado pela explosão. Movidos pela curiosidade, saímos de casa e fomos para a varanda da frente tentar entender o que havia acontecido. Tínhamos a impressão de que o barulho tinha vindo de Alcântara. No entanto, um vizinho trabalhava à época na Companhia de Eletricidade do Estado do Rio de Janeiro (Cerj) e descartou a possibilidade de ser a explosão de um transformador de energia elétrica”, contou Marcus.
Depois de anos da tragédia que impactos vida de moradores de São Gonçalo, quis o destino que Marcus viesse a ser analista de sistema na Getec em 1995. Mas a explosão não deixa de ser lembrado um único dia.
“Algumas cenas não saem da minha memória. Lembro perfeitamente que da minha casa dava para ver que havia uma fumaça no alto da região onde ficava a Getec. Não soubemos localizar de fato onde havia acontecido a explosão. Um vizinho pegou o carro e fomos eu, meu pai e ele tentar saber o que havia acontecido. Ansiosos e apreensivos, seguimos em direção àquela fumaça e estacionamos o carro bem próximo ao 7° BPM. Dali fomos andando e estava tudo muito confuso nas ruas mais próximas: bombeiros, ambulâncias, polícia, muitos moradores das vizinhanças locais andando de um lado para o outro sem saber o que fazer. Me lembro que vi pessoas chorando, desoladas, trajando camisolas, pijamas, com muito medo, possivelmente com as casas destruídas. No dia seguinte, havia equipes de TV para cobrir a tragédia. Os jornais, por conta do avançar da hora, só noticiaram no dia seguinte. Até hoje lembro disto”, relembrou.
Já Bruno Cardoso Faria, técnico em eletronica que está com 45 anos, relembra a tragédia. À época do acidente, o morador de Trindade era um bebê de pouco mais de um ano, mas com o passar do tempo começou a ouvir muitas histórias sobre a explosão da Getec.
Morava com meus pais na Trindade e nossa casa ficava a menos de 50 metros de uma das entradas da Getec. Minha mãe contou que na noite da explosão, que aconteceu por volta de 1h da manhã, o colchão levantou cerca de 40 centímetros por causa do impacto ocasionado pelo aumento da pressão atmosférica. Imediatamente faltou luz e quando minha mãe foi ao berço em que estava dormindo viu um pedaço de vidro a cinco centímetros da minha cabeça. Ela me tirou cuidadosamente e nos escombros da casa minha mãe notou que a porta havia sido arrancada inteira junto com os batentes e ido parar no outro lado da sala. Todos os vidros foram quebrados, meus pais saíram comigo e com minha irmã em direção à rua e, na escuridão pela falta de luz, acabaram pisando nos cacos de vidros espalhados pelo chão. Quando a energia elétrica foi restabelecida, muitos moradores que estavam de pijama e camisola na rua sem entender nada voltaram para ver o estrago nas residências. Por intervenção divina, meus pais não estavam com os pés cortados, mas a barriga da minha mãe ficou toda chamuscada por fragmentos de vidros e sangrando um pouco. Minha irmã teve um leve corte na perna, enquanto eu e meu pai nada sofremos. Os móveis da casa estavam intactos e a estrutura da nossa casa acabou abalada”, detalhou Bruno.
Os funcionários que foram vítimas da explosão, tiveram um enterro simbólico. Uma mecha do cabelo de Evaldo Luís dos Santos, de 27 anos, e partes do corpo de Manoel José de Souza Júnior, de 34, foram colocados em um caixão e enterrados no Cemitério do Maruí, no Barreto, em Niterói, no dia 7 de abril de 1980.
O Eco Notícias RJ esteve na sede da Getec Guanabara Química Industrial S/A na manhã desta sexta-feira (2) e nenhum funcionário quis falar sobre a explosão. Procuramos a assessoria de comunicação da fábrica que nos enviou a seguinte nota:
“A Ingredion esclarece que adquiriu as operações da Getec Guanabara Química Industrial S/A em São Gonçalo (RJ) em 2007. A companhia é fornecedora líder mundial de mercado de soluções para ingredientes e tem como um de seus valores o “Cuidado em Primeiro Lugar”. A empresa opera de acordo com a legislação local e segurança em suas instalações é prioridade, seguindo os mais altos padrões internacionais. Além de aplicar tecnologias avançadas em seu parque industrial que permitem o monitoramento e vigilância permanente do processo produtivo, a unidade de Alcântara (RJ) também conta com uma Brigada de Incêndio própria, disponível 24h por dia e treinada constantemente, e todos colaboradores da unidade recebem treinamentos periódicos com foco em diversos aspectos de segurança.A Ingredion reforça seu compromisso com o bem-estar da população gonçalense e mantém contato constante com a comunidade, por meio de um comitê comunitário e de um canal de comunicação exclusivo (faleconosco@ingredion.com)”, encerrou comunicado.
Explosões de acontecimentos
Após a tragédia ocorrida na fábrica, em 1980, houve uma explosão de acontecimentos que merecem destaques. A jornalista Cidinha Campos, escreveu na edição do dia 4 de julho de 1980, na coluna que mantinha no jornal Luta Democrática, que muitas famílias afetadas pela explosão em um reator na Getec não foram indenizadas.
Descobriu-se que o economista e ministro dos governos João Figueiredo e Costa e Silva, Hélio Beltrão (1916-1997)), pai da jornalista Maria Beltrão, era acionista da Getec.
Dois anos depois, uma nova explosão aconteceu em 8 de junho de 1982. O resultado foi que o soldador Luiz Paulo Chagas, de 33 anos, e o encanador Félix Antunes da Silva, de 26, feridos, foram parar no Pronto Socorro de Alcântara. Um dia depois, na manhã do dia 9, Félix morreu em virtude de um traumatismo intracraniano.
Jayme Campos, prefeito de São Gonçalo, ainda em 1982, travou uma batalha com os diretores da Getec a fim de mudar a localização da fábrica. Não conseguiu.